Normalmente a gente deveria começar o post dizendo que este foi um casamento lindo, com uma noiva linda em um lugar lindo com um dia espetacular. Mas eu acho que não precisa de nada disso. Se vocês virem o vídeo vocês vão entender tudo isso.
Queria aproveitar o post de hoje pra falar de algo um pouco mais profundo.
Nós conhecemos a Tatiana e o Miguel por Skype, e ainda faltavam alguns meses para o casamento. Eles sabiam pouco até então, mas tinham certeza de uma coisa: não queriam nenhuma imagem que mostrasse a noiva entrando por cima do ombro do noivo. Nos disseram que o casamento deles seria bem diferente, e que eles não queriam nada que fosse muito tradicional dos casamentos daqui.
A Tatiana (ou Tania, para os íntimos) é russa, e ela nos contou que para ela, não existia tanto apego a festas de casamento. Ela preferia algo mais simples, e que na verdade fosse um dia para estar com todas as pessoas que eles gostavam. A ideia então foi fazer um mini wedding na casa da família do noivo, juntando tradições russas e brasileiras, mas sem frescuras nem obrigações. O casamento seria exatamente o que eles queriam que fosse. Uma cerimônia de até 10 minutos e a festa de jeito que ela fosse rolar. Isso porque os russos não são muito ligados à cerimônia. Para eles, essa carga sentimental que nós colocamos na cerimônia religiosa é muito mais leve. Por isso, o casamento nem sequer seria religioso, seria celebrado pelo irmão do Miguel e não poderia durar muito tempo porque a prainha era pequena e não comportava cadeiras para os convidados sentarem. Além disso havia o fator sol escaldante do interior de São Paulo, que ameaçava torrar todos nós durante a cerimônia.
Uma cerimônia de 10 minutos? Instantaneamente, bateu um pânico. Como conseguiríamos filmar uma cerimônia com apenas 10 minutos? Não teríamos tempo para fazer metade do que normalmente fazemos em um casamento comum. Será que esses 10 minutos iriam incluir os votos? Socorro! Socorro! Socorro!
Os meses foram passando e soubemos um pouco mais do casamento: os noivos iriam se arrumar na mesma casa e passariam o dia praticamente juntos. A Tatiana iria fazer o próprio cabelo e maquiagem, além do buquê e do bolo junto com as madrinhas. Todos estariam juntos, ajudando a montar o casamento durante o dia. E a cerimônia ia continuar tendo 10 minutos. Na nossa cabeça, tudo isso é muito legal, mas essas várias coisas acontecendo no mesmo lugar ao mesmo tempo davam a impressão de que tudo seria um pouco confuso. E não estávamos mesmo sabendo lidar com a cerimônia de 10 minutos, mas não fazia sentido fazer os noivos mexerem nisso. Era assim que eles queriam, e assim deveria ser. Nós sempre orientamos os casais com dicas para fazer o casamento ser ainda mais bonito e perfeito para a foto e o vídeo, mas achamos que o mais importante é que o casamento seja do jeito que os noivos querem que seja, mesmo que seja à noite, mesmo que seja em lugar fechado, mesmo que seja com luz verde no rosto, mesmo que seja com uma cerimônia de 10 minutos.
Chegamos na casa da do Miguel e não consigo encontrar outra palavra para explicar. Ficamos apaixonados pela casa. Linda, cheia de luz natural, com cores vivas, maravilhosa. Uma casa de filme. Como se não fosse o suficiente, ela ainda tinha um gramado enorme e uma prainha, pequena, mas perfeita para a cerimônia. Não poderia existir um lugar mais lindo para se casar. Só havia um problema: não havia microfone que chegasse até a prainha e, logo, percebemos que ficaríamos sem som. Não existe a menor possibilidade de fazermos um casamento sem o áudio, afinal de contas, sem som nenhum, o vídeo acaba simplesmente reproduzindo o mesmo que as fotos, só acrescentando movimento. Encantados mas, naquele momento, duplamente preocupados, fomos para o hotel dormir e nos preparar para um casamento que prometia em vários aspectos.
Entramos na casa no dia seguinte com mil preocupações na cabeça mas, em 30 segundos, descobrimos o que realmente significa um casamento: familiares e amigos andavam pela casa, de um lado para o outro, arrumando as lembrancinhas, escrevendo seus discursos, separando roupas, ajudando uns aos outros a se arrumarem e, no meio de tudo isso, Tatiana e Miguel, entre risadas, distribuíam as tags dos convidados pelas mesas, tentando misturar brasileiros e russos de uma forma que todos ficassem à vontade. Ninguém estava trancado em suítes VIP fazendo massagens, todo mundo parecia estar se divertindo ao por a mão na massa com os preparativos do casamento. Uma das madrinhas, Dasha, ajudava a montar o arranjo do cabelo, enquanto a outra, Elina, traduzia o texto da cerimônia, para garantir que todos pudessem entender o que seria dito. O noivo cuidava do varal de fotos, enquanto a noiva decorava o bolo com frutas e “neve comestível”.
A própria Tatiana cuidou da maquiagem e do cabelo, com uma ajudinha da nova cunhada para colar os cílios. Pontualmente às 17h, a cerimônia começou. E não, não havia microfone mesmo, apesar de todos os nossos esforços durante dois dias pedindo ajuda para DJ, assessora e todo mundo que apareceu no caminho para arrumar. Mesmo confirmando que havia todo o equipamento necessário disponível no local, o que ouvimos foi que “seria muito difícil montar tudo do jeito certo”. O resultado foi na gambiarra mesmo, com lapela no celebrante, ainda que não houvesse como passar os fios direitinho, porque mesmo sem que tivéssemos conseguido resolver o assunto, a noiva já vinha entrando. E a cerimônia durou um pouco mais de 10 minutos, na verdade, 12. E não foi muito tradicional, nem muito organizada, e nem com muito espaço para nos movimentarmos, mas foi linda, divertida e emocionante. E foi sim do jeitinho que eles queriam. A festa também, foi rolando como tinha que rolar, com alguns discursos, com danças, com um jantar maravilhoso e com uma das iluminações mais incríveis que nós já vimos até hoje. Nada de laser, fumaça nem strobo. A iluminação da festa foi feita apenas com varais de luzes, e não podia ter ficado mais bonito. Além disso, segundo o próprio pai do noivo, não poderia ser mais barato, afinal de contas, não passa de um cabo ligado a várias de lâmpadas de dois reais (pense nisso ao montar seu casamento à noite). Não foi uma mega balada com 8 atrações diferentes, mas foi extremamente divertido, e aquelas poucas pessoas escolhidas para estar ali naquele dia com certeza amaram tanto quanto nós.
Sobre o vídeo, bom, com certeza é um dos nossos novos preferidos. A ideia era não deixar que a música fosse o mais importante, queríamos que a história daquele dia fosse o mais importante, e os sons que fizeram parte dele fossem o centro da trilha sonora. E demorou, fizemos, refizemos mas, no fim, adoramos. Ainda assim, ficamos com a sensação de que poderíamos ter feito ainda mais, se não tivéssemos nos apegado tanto ao que costumamos nos apegar. Os poucos takes que temos da cerimônia talvez não contenham a variedade que nós gostaríamos que tivesse, até porque não havia tempo nem espaço suficiente para nos movimentarmos, mas naquele contexto, usar trilho, steadicam ou qualquer outro trambolho de câmera não faria sentido. Ali, tínhamos os convidados juntinhos em um único grupo, sem corredor no meio. Não havia lado do noivo nem lado da noiva. Era mais importante registrar ali os sorrisos daquela família misturada de russos e brasileiros, as falas carinhosamente escritas pelo irmão, o discurso lindo da madrinha russa escrito em português. Para eles, isso era o casamento. Não precisava de nenhuma pirotecnia “cinematográfica” para deixar o casamento bonito. Não importava que atrás do altar estivessem passando lanchas e aviões e aquele barulho todo fosse vazar no áudio, porque não importava o que nós fizéssemos ali e não importava quanto nós ficássemos preocupados com isso o dia todo, ia vazar mesmo, não estávamos em um salão de casamento com isolamento acústico. E não trocaríamos aquele lugar maravilhoso por nenhum lugar silencioso do mundo. E, agora, escrevendo este post gigante, finalmente entendemos o que a Tatiana quis dizer quando pediu que não houvesse nenhuma imagem da noiva entrando por cima do ombro do noivo. Trabalhando com casamentos, a gente uma hora acaba entrando em um piloto automático seguro, ou seja, começamos a repetir sempre o que está funcionando, aquele movimento do trilho durante o sermão do padre, o steadicam no meio dos convidados, o gravador ligado na mesa de som. E, é claro, este é um mercado que se retroalimenta. Além de repetirmos as nossas próprias fórmulas, somos muito influenciados pelo trabalho de outras pessoas, e a tendência é repetirmos sempre as mesmas coisas, porque em time que está ganhando não se mexe. Mas, e se não houver mesa de som, nem sermão do padre, nem espaço para o trilho, nem cortejo dos padrinhos? O que sobra? Como vamos superar isso? Será que podemos fazer as coisas diferentes?
A verdade é que nós não estávamos preparados para fazer um casamento tão descolado. Ninguém estava. E foi um grande desafio, porque nós estamos superacostumados e achamos muito confortável trabalhar com os casamentos que seguem um cronograma rigoroso, tem todos os “rituais” certinhos, tem uma superestrutura de som, iluminação e que tem duzentas assessoras à disposição. E isso só reforça o nosso piloto automático. Todo mundo sonha com aqueles casamentos gringos maravilhosos, embaixo da árvore, na beira do lago com noivos descalços e cadeirinhas rústicas. Mas, esses casamentos do Pinterest não tem nada dessa “estrutura tradicional”. Para casar embaixo da árvore no campo trigo, precisa sujar a barra do vestido, porque colocar um tapete vermelho estraga todo o visual. Precisa não ter medo de chuva nem reclamar dos mosquitinhos voando em cima das suas flores.Porque, no fim, nada disso importa. Ficamos o dia todo preocupados com o microfone, com o som, com os horários e, no fim das contas, o que mais importava era o dia e tudo o que nós vivemos ali junto aos noivos. Precisamos desapegar um pouco dessas formalidades. Não só nós que estamos filmando/fotografando, mas também os noivos. Pra que tanta modinha? Olha só que casamento incrível saiu sem gastar milhões com flores, sem iluminação de balada, sem banda, sem maquiador famoso e sem nada disso que as pessoas costumam contratar e se gabar. Um casamento com a cara dos noivos é muito melhor que um casamento supercaro.
Apesar da correria e do nervoso que passamos pensando em todas as 45561245 coisas que poderiam dar errado no casamento, terminamos o ano com uma grande lição. A Tatiana disse que nos escolheu porque ela quase não viu esse tal take por cima do ombro nos nossos vídeos. Disse que a gente fazia umas coisas diferentes. Então decidimos fazer algo bem diferente pra ela. E decidimos que, por mais difícil que seja, queremos continuar fazendo coisas diferentes para cada uma das pessoas que chegar até nós, tentando sair ao máximo da nossa zona de conforto. E esperamos que este ano nos traga muito mais casais para nos desafiar, porque finalmente voltamos a sentir a emoção (aquela adrenalina de quem pula de paraquedas) que sentíamos quando começamos a trabalhar com casamentos.
Tatiana e Miguel, sejam muito felizes (o Google Translator disse que em russo seria будь счастлив) e muito obrigado por tudo.